“Sentir” x “Reagir”: o que suas emoções querem te contar, de verdade?"

Este artigo busca compreender como nosso inconsciente se manifesta, como nossas emoções ou sentimentos são afetados pelo conteúdo de nosso inconsciente e afetam nossas reações e como a psicanálise trabalha nesse terreno tão misterioso!

10/27/20255 min read

white concrete building during daytime
white concrete building during daytime

        A psicanálise nos ensina que a fronteira entre o que sentimos e como reagimos a isso é muito mais complexa do que parece. Muitas vezes, nossas reações são como pontas de icebergs, visíveis na superfície da consciência, mas que escondem uma imensa massa submersa de sentimentos, memórias, desejos e conflitos que estão no inconsciente. O inconsciente, essa vasta e dinâmica parte da nossa mente, é o verdadeiro motor por trás de muitas de nossas reações automáticas, moldando nossa percepção e comportamento de maneiras que nem sempre compreendemos.

O Convite à Escuta Profunda do Inconsciente

          Para a psicanálise, o que sentimos raramente é apenas o que parece na superfície. Uma raiva repentina, uma tristeza constante ou uma alegria inexplicável podem ser manifestações do nosso inconsciente, expressas através dessas emoções que não conseguimos entender ou explicar. A reação imediata (o "reagir") é a forma mais fácil de descarregar essa energia emocional, buscando um alívio rápido da tensão psíquica, um conceito freudiano de descarga. No entanto, essa descarga sem compreensão muitas vezes nos impede de fazer a pergunta essencial: "O que essa emoção está realmente querendo me dizer sobre mim, sobre minha história, sobre minhas necessidades?". Por exemplo, uma raiva intensa dirigida a um colega de trabalho pode, na verdade, ser um eco de sentimentos não resolvidos de raiva em relação a uma figura parental da infância. A psicanálise propõe um mergulho nessa pergunta, um convite a ir além da primeira camada da emoção através da associação livre e da exploração do conteúdo latente por trás do manifesto. A associação livre em si é o ato de falar tudo o que vier à sua mente, sem censura, sem julgamento, sem tentar organizar ou dar sentido. Não importa se parece sem importância, ilógico, estranho, embaraçoso ou até repetitivo. A ideia é justamente deixar que os pensamentos, memórias, sentimentos e imagens fluam espontaneamente, um puxando o outro, como uma corrente.

       Nossas "reações" são, muitas vezes, manifestações de mecanismos de defesa inconscientes. Estes são estratégias psíquicas desenvolvidas pelo ego para proteger o indivíduo da ansiedade, da dor ou de conflitos internos que seriam insuportáveis se confrontados diretamente. Podemos reagir com negação, recusando-nos a aceitar uma realidade dolorosa; com projeção, atribuindo a outros sentimentos e impulsos que são nossos; com racionalização, buscando justificativas lógicas e aceitáveis para comportamentos ou sentimentos que são, na verdade, motivados por impulsos inconscientes; ou até mesmo com repressão, empurrando o sentimento para o inconsciente até que ele surja de formas inesperadas, como um sintoma físico ou psicológico (ansiedade, depressão, fobias). Outros exemplos incluem intelectualização (analisar emoções de forma fria e distante), formação reativa (agir de forma oposta ao que realmente se sente) ou deslocamento (redirecionar uma emoção de um alvo perigoso para um mais seguro). A psicanálise ajuda a desvendar esses mecanismos, mostrando como eles, embora nos protejam de verdades dolorosas no curto prazo, também nos aprisionam, impedindo o verdadeiro encontro e a integração com o que sentimos.

A Compreensão da Repetição e dos Padrões

          Se você se pega reagindo de forma semelhante em situações diferentes, como se estivesse executando uma programação de computador, a psicanálise oferece uma lente para entender a compulsão à repetição (Wiederholungszwang), um conceito central de Freud. Nossas emoções e reações podem estar ecoando experiências passadas, especialmente da infância, que não foram elaboradas ou compreendidas. Essa repetição não é apenas uma recordação, mas uma reencenação de conflitos não resolvidos, muitas vezes com a tentativa inconsciente de dominar uma situação traumática ou de buscar uma resolução que não foi alcançada no passado. Por exemplo, alguém que constantemente se envolve em relacionamentos abusivos pode estar inconscientemente repetindo um padrão de interação aprendido na infância. O que suas emoções querem te contar, de verdade, pode ser a história de um trauma não curado, de uma necessidade não atendida, de um conflito não resolvido que se manifesta no presente. Ao sentir de forma mais consciente e iniciar o processo de elaboração, podemos começar a quebrar esses ciclos e construir novas narrativas.

4. A Diferença entre Impulso e Elaboração

         O "reagir" é muitas vezes impulsionado por um desejo de alívio imediato da tensão emocional, um acting out, uma espécie de atuação, que busca externalizar o conflito sem compreendê-lo. Já o "sentir" no sentido psicanalítico é um processo de elaboração, de dar espaço à emoção, de tentar nomeá-la, de buscar sua origem e seu significado dentro da história pessoal do indivíduo. É nesse processo que a catarse se torna compreendida e integrada, e não apenas um desabafo momentâneo. A verdadeira catarse psicanalítica envolve não só a liberação da emoção, mas a compreensão do seu conteúdo e a integração dessa compreensão à estrutura psíquica. A escuta do psicanalista oferece um ambiente seguro caracterizado por neutralidade e abstinência, onde essa elaboração pode acontecer. Através da análise da transferência (a repetição de padrões relacionais passados na relação com o analista) e contratransferência (as reações do analista), o paciente pode explorar e dar sentido a essas emoções e reações.

5. O Caminho para a Autenticidade e a Liberdade

      Quando conseguimos nos conectar com o que nossas emoções realmente querem nos dizer, ganhamos liberdade. Deixamos de ser reféns de reações automáticas e impensadas, movidos por um determinismo inconsciente. Passamos a poder escolher como agir, baseados em uma compreensão mais profunda de nós mesmos, desenvolvendo um maior gerenciamento e fortalecimento do ego. Isso não significa eliminar as emoções difíceis, mas sim aprender a conviver com elas, entendê-las como parte da nossa paisagem interna e usá-las como bússolas ou sinais para uma vida mais autêntica e alinhada com quem somos. A meta não é o controle rígido das emoções, mas a sua integração consciente, permitindo que a pessoa se torne mais genuína e coerente em suas ações e sentimentos.

            Em resumo a psicanálise nos convida a transformar o "reagir" impulsivo e muitas vezes inconsciente em um "sentir" consciente, investigativo e elaborativo. Não é sobre controlar as emoções, mas sobre escutá-las com respeito, curiosidade e autocompaixão, permitindo que elas revelem as profundas verdades que carregamos. É um caminho de acolhimento e de esperança, que oferece a cada pessoa a chance de se ver, de se entender e de, finalmente, se reconciliar consigo mesma, construindo uma existência mais plena e significativa.